Morto no Percurso
José Qualquer
Filho de Fulano de Tal
Vivia bem com a mulher
Mas vivia mal
Estudou que não foi normal
Passou
Mas, não teve fôlego
Para chegar ao final
Casado, pai de dois Zezinhos e uma Maria
Esperava apanhar um pezinho um dia
Sozinho, coitado
Matava a fome com a carpintaria
E não tinha tempo para a Engenharia
Queria ser Engenheiro de Estrada
Para segui-la aonde fosse
Para fugir de tudo ou nada
E José não dormia
E José se perdia
A ouvir a mulher, pobrezinha
Que à vizinha dizia inocente:
“Meu marido inteligente
estuda e ainda dá conta da gente”
E voltou Zé Carpinteiro
Sentava, crucificado
Trabalhando o dia inteiro
E bebia para esquecer
Tantas cruzes por poucos cruzeiros
E assim morreu Zé da Cruz
Numa vala da estrada
Aparando a enxurrada
E as pessoas que ali passavam
Não sabiam de nada
Que Zé da Cruz já foi gente também
Que Zé da Cruz já cedeu muito bem
Que Zé da Cruz já foi número que entrou no computador
Que Zé da Cruz já foi nome e até foi chamado de doutor
Zé da Cruz
Não faz mal
Que a vida vai ao além
E lá vai viver muito bem
Vai chegar salvo e são
São José
E a Cruz
Fica na Terra pra quem quiser
José Qualquer
Rui Montese
Tristeza e Alegria
Tristeza e alegria
Palavras que andam de parceria
Ambas são o traçado do nosso caminhamento
Uma busca a euforia
A outra cede ao sofrimento
É como o açúcar e o sal
Tudo com excesso é prejudicial
Ou tu ficas diabético
Ou tu viras bacalhau
Poesia é o tempero
O sabor da vida
Ela que nos leva a afinar e refinar
A arte nobre de viver
São esses ingredientes bem dosados
Uma pitadinha de tristeza
Uma pitadinha de alegria
Pronto: poesia
É como afinar violão
Onde o diapasão é a atitude divina
Mas não te preocupes meu amigo
Não é preciso ser poeta
Para entender dessas coisas
Um dia tu acertas
A própria vida te ensina
Dotada de uma providência imensa
Nos aceita, nos conduz
E nos fascina
Rui Montese
Poema do Mineiro
Conhecedor do solo profundo
Vai galgando pelo mundo
Cada pedra do caminho
De vazante a jusante
Coração fecundo
Céu aberto, arfante
Do ninho ostenta
A mais preciosa
Flor majestosa, cristalina em tudo
Ao cume voz estradeira
Chega logo alvissareira
Ao peito desse amigo de jornada
Não por prêmio costumeiro
Por medalha ou dinheiro
Mas, para ser mais companheiro
Em cada nova escalada
Dá conta do que te afronta
E volta de ponta a ponta
Ao leito dessa estrada
Ao se ver entrelaçado
De rochas por todo lado
Pesquisa com maior cuidado
Textura, dureza, clivagem
E vai ver, da sua imagem
Reflete maior beleza
De um tesouro que rola, cada vez mais fundo
Com toda sua riqueza
Que não reluz para quem o procura
Apenas, espera, onde encerra
Que seja encontrado
Rui Montese
Flertando no Bar
Meninas singelas
Cabelos cacheados
Ambas tão belas
Perfis aquilinos
Lábios rosados
Pudéssemos nós, poetas
Revermos esta imagem
Estaríamos tão certos
De não ser miragem
Cantaríamos a beleza
Com tanta emoção
Que elas teriam a certeza
De terem flechado
Com olhar refinado
E sorriso faceiro
Os corações de dois bandoleiros
Rui Montese
Fotos da Família
Boa noite mestre.
Fui passear no shopping.
Gente bonita, seres de todos os tamanhos, masculino e feminino.
Ah! mestre, quero completar minha missão, nesse momento quero evoluir bastante. Sinto que amo e admiro o ser humano, no entanto algo novo me intriga.
Como será ser uno? Ser inteiro? masculino e feminino?
Não sei como é ser uno, mas confesso que achei esquisito os seres pela metade.
Olha, percebi que tem uns quinze anos que me dei conta que estou no planeta Terra, e há uns quatro anos me dei conta que sou ser humano e tenho trinta e quatro.
Gozado, tenho uma lembrança da terra cheia de árvores, e então o Brasil é minha paixão. Fico imaginando os europeus chegando aqui, o deslumbramento com os pássaros exóticos em abundância, vegetação, ar puro, beleza do povo e do lugar.
Outro dia suando no ponto de ônibus, às doze horas, ufa! Pensei se bem perto tivesse uma bela cachoeira com “assessórios” (pedras maravilhosas e plantas) quem iria ficar impune?
Depois que esgotarmos a complexidade, vamos querer a simplicidade?
Tenho uma nostalgia dentro de mim que não sei bem se é cultural, genética ou cerebral. No fundo vem da alma como se minha alma fosse muito maior do que eu mesma. Por exemplo, não entendo porque substituir toda a vegetação por concreto. A vegetação e o concreto não se importam de viverem juntos. Acho também que não é só por causa do dinheiro, nem do poder, é algo mais…
Tenho vontade de plantar árvores em lugares e mais lugares. O Rio, as montanhas e a cidade. Estrada de Petrópolis, te achei tão linda!
Sonia Tula 14/02/1998
Minha mãe, do infinito astral, no dia da partida da minha irmã, me mandou uma mensagem: “Meu filho, aconteça o que acontecer não deixe de acreditar em Deus”.
Trilha do Poeta
Esta menina que assim me oferece
O seu amor me enlouquece
Esta menina que tanto carece
De outro amor me entristece
Pele dourada de sol
Cabelos loiros, olhos azuis
É mais linda do que aquela menina
Que um dia nos meus sonhos supus
Porém, os meus anseios na vida
Me levam a outros caminhos
Creio, nunca sozinho
Com tanta barreira, espinhos
Que não convém levá-la também
Nem vou eu sorver do seu aroma
Sem saber se o que me toma
É amor de verdade
Nem tão longe te buscar
Para tão perto te deixar
Aos logros desta cidade
Não traz a sua beleza
A certeza de abraçar meu pensamento
Feito em poesia
Alegria ou desalento
Que a seu favor reparo em tanto
E do seu amor me afasto, em pranto
É, mulher para entender um poeta
Tem que ser sensível como a flor
Perceber a beleza da lua
Ser só sua
Não querer amar por desespero
Mas, naturalmente
Não por desmazelo
Um amor confidente
Com muita convicção
E muito apego
Rui Montese
Estrela do Céu
Depois que fitei os olhos teus
Estrela do céu
Senti uma leveza nos meus
Depois que beijei teus lábios de mel
Sorvi da beleza
Meu corpo do teu se embebeu
E por deixares me afagar nos seios teus
De medo de o amor refugar
Sofri com o horizonte do adeus
E nunca mais me desprendi
De te alcançar
Estrela do céu
E te embalar
No sonho meu
Rui Montese
Blog do Montese
Minha Manhã em Prosa e Verso
Há certos momentos em que a vida se faz mais presente e nós a sentimos com mais fervor. É o momento em que o poeta colhe uma inspiração, o jardineiro admira seu jardim, o filósofo se compara as estrelas e desliza suavemente seu pensamento para um riacho tímido que, humildemente, contorna as pedras. Como se se sentisse tão grande e tão distante dos homens ao apreciar coisas tão pequenas. É o amor que se faz notar no gotejar da água que escapa de um cano. Talvez por lembrar as batidas do coração ou simplesmente a ideia de movimento e quem sabe senão a sensação de liberdade. É o amor que se faz notar na manhã que poderá ter sido mais bela, porque o que a caracteriza é justo a sua presença, surgindo com um bocejar quentinho, anunciando:
“Estou aqui”.
Já sou filho desta manhã e sinto despertar em mim o poeta, o jardineiro, o filósofo… Embebido neste paroxismo afasto a imagem de filho e me atrevo em colocar-me a sua altura. E exclamo:
Manhã linda de sol
Eu saí pra te ver
Manhã linda de sol
Quero casar com você
E ela me confessa, naquele cheirinho de terra molhada, enquanto eu ainda dormia, ter-se fechado em pranto. Eu a consolo:
Manhã linda de sol
Se te vejo chover
Manhã linda de sol
Só me vejo sofrer
E me lembro daquela longa temporada de inverno quando me sentia prisioneiro, prisioneiro da chuva. Mas, não negava sua utilidade. E pensava: esta chuva, ainda que fria, quase intolerável, que cai como soldados cercando um Forte e arrasta na leve enxurrada a esperança de rever o sol, cessará por fim e ela mesma fará florescer uma linda primavera e mais linda no momento em que surge. E outros invernos virão e outras primaveras também, estou sempre pronto a recebê-los. Sonho com o futuro e amo o presente. Belo é caminhar numa estrada e fitar o horizonte, mais belo e confortante é notar que existem flores no caminho. Em meio a esta divagação outros versos nascem:
Manhã linda de sol
Quem me vê com você
Pensa que estou sozinho
Pois não pode entender
Que tenho seu carinho
Manhã linda de sol
Nosso véu é o céu
Nossa lua é de mel
Nossa vida é ao léu
Acabo de fazer uma poesia e me delicio em repetir aqueles versos. Eis que, um vil pensamento numa frase me corta a garganta: -Neste mundo de números e máquinas:
“Somente os ociosos têm tempo para divagações”. (Lembro do Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry)
Se esta poesia e outras não se converterem em dinheiro nada valerão. Mas, um pensamento mais incisivo me enaltece:
O verdadeiro valor de um poeta está na grandeza de sua imaginação e não no ouro que a reflete.
Mais uma vez Saint-Exupéry me vem à memória:
“Na verdade quem luta apenas na esperança de bens materiais não colhe nada que valha a pena viver”.
O passado é o rastro de uma bagagem adquirida, se amanhã eu morrer não vai me faltar o peso das relações humanas e já terei adquirido muita coisa e muitos serão os que seguirão os meus passos e isto me traz a certeza:
Não morrerei vazio.
Rui Montese
Festival de Artes e Cultura da Reforma Agrária -Serraria Souza Pinto, Belo Horizonte/MG – 2016
Reformação
Não, não pode ser irmão
De quem quer te jogar no chão
Se te puxa te arranca o braço
E te chucha o coração
Tava eu na minha gleba
Bem cuidando do roçado
Quando veio lá da cidade
Tanto mal desenfreado
Plantei, rocei
Feijão e trigo
Já guerriei
Por meu abrigo
Deixei a casa
Com cinco fio
Pra minha dona
Só disafio
Perdi a faca
Corri pro rio
Entrei na mata
Morri no trio
Com força braba
Me esquartejaro
Furaro os óio
E me rasgaro
Autor: Rui Montese